
Quando tento explicar a importância do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) na protecção da biodiversidade, falo de dois dados fundamentais.
O primeiro é a distribuição desigual da biodiversidade no nosso planeta e, o segundo, a maioria dos lugares com maior biodiversidade está situada onde a população não possui recursos para arcar com a conservação. Por exemplo, existem 454 espécies de aves somente no Parque Nacional da Gorongosa (uma área um pouco maior do que a do estado de Rhode Island nos EUA e um pouco menor que Delaware) enquanto o número total em toda América do Norte (EUA e Canadá) são 914. Poderia apresentar mais destes factos, mas prefiro contar uma história.
O Parque Nacional da Gorongosa em Moçambique é beneficiário de um projecto do GEF e faz parte do nosso novo programa para combater o Comércio Internacional de Animais Silvestres. Eu tive a sorte de poder visitar o Parque Nacional da Gorongosa recentemente e ver com meus próprios olhos a história fascinante da sua recuperação.
Moçambique é classificado como um País Menos Desenvolvido (PMD), o que significa que está entre os países mais pobres do mundo. A região onde fica o Gorongosa tem sofrido especialmente pois centralizou o conflito civil que tem ocorrido por décadas. Até recentemente era somente recomendado viajar pela rodovia principal com escolta do exército. Para os poucos trabalhos formais que existem, o salário mensal padrão varia em torno de 50 a 100 dólares americanos. Muitas pessoas, especialmente mulheres, sobrevivem do cultivo de milho, agricultura básica do país.
Durante nossa viagem em direção às comunidades que rodeiam o parque, conhecemos uma senhora interessante, Mãe Bendita. A sua comunidade recebe apoio de um projecto da cooperação americana (USAID) que ajuda agricultores a adoptar práticas mais produtivas. A senhora Bendita – uma agricultora exemplar do projecto – ensina outros agricultores a plantar uma mistura de cultivos como tomate, pimentão e cenoura, que não apenas têm valor maior e são mais nutritivos que o milho, mas também reduzem o risco de perder toda a sua colheita por eventos climáticos extremos. A nossa anfitriã também nos apresentou a seus ajudantes – adolescentes locais – que ela contrata quando tem demasiado trabalho, algo que ela nunca poderia fazer antes.
Agora se pode perguntar onde o GEF entra nesta história. Certas noites, os elefantes atravessam o rio que marca o limite do PN da Gorongosa rumo à outra margem. Os elefantes comem os cultivos dos agricultores, prejudicando o sustento das famílias. Os elefantes não colhem cuidadosamente uma ou duas espigas de milho, eles destroem toda a planta. Por isso, às vezes as pessoas se machucam – um fiscal do Parque (guarda florestal) chegou a ser morto por um elefante enquanto tentava afastá-lo de volta ao parque para proteger os cultivos, as casas e as pessoas da comunidade. Em outros lugares, os elefantes assustados e irritados já chegaram a matar pessoas das comunidades que tentavam simplesmente proteger o seus cultivos. Esta situação tem gerado um conflito entre os elefantes do parque e as comunidades vizinhas.
Ao mesmo tempo, essas comunidades têm papel fundamental pois são a primeira linha de defesa contra caçadores furtivos. As pessoas conhecem quem entra no parque para caçar, sejam adolescentes locais ou pessoas de outros lugares. É extremamente importante, para os esforços da conservação do parque, ter a gente local do lado do parque.
O parque é também o lar de muitos antílopes além dos elefantes e sua carne vale o salário de um ano ou mais dos agricultores. Para ser mais claro sobre o valor de um antílope – os caçadores não comem o que caçam, eles vendem por mais comida, como o milho. O sucesso da conservação do parque mede-se pela população crescente de elefantes, o que infelizmente é um fardo para as pessoas das comunidades vizinhas. Se os elefantes são uma ameaça a seus cultivos, suas casas e até mesmo a suas vidas, não podemos esperar que as mesmas pessoas sejam sócias na luta contra a caça furtiva e a proteção do parque, independentemente do quanto eles gostem dos elefantes ou do parque.
Parte do projeto do GEF inclui construir uma vedação entre a comunidade e o rio, ajudando a manter os elefantes fora dos sítios. Considerando que certos elefantes podem derrubar uma vedação facilmente, o parque vai trabalhar com os fazendeiros para plantar cultivos que os elefantes não gostem em volta da vedação, como couve-de-folhas e pimentas. Mãe Bendita nos contou o quão felizes eles estariam de obter uma vedação para acabar com o temor das frequentes visitas noturnas dos elefantes. Como disse o poeta americano Robert Frost, “boas vedações fazem bons vizinhos”.
Essa vedação é um pequeno, mas importante exemplo dos passos que precisamos dar na luta contra a caça furtiva. O desafio contra a indústria multimilionária do tráfico de vidas silvestres, dirigido por milícias e organizações criminosas, pode ser intimidador. Algumas vitórias grandes e notáveis, como a recente proibição da venda de marfim pelos chineses, servem de motivação, assim como a relativa simplicidade de algumas medidas uma vedação e uns legumes picantes. No fim das contas, uma conservação bem-sucedida, para ajudar a assegurar que os elefantes percorrerão pela Africa para sempre, é poder trabalhar em colaboração com as pessoas. Conservação vai além de gestão técnico, conservação é sobretudo política social.
Obrigada a Oreste Maia e Manuela Ravina da Silva do GEF e Vasco Galante do Parque Nacional da Gorongosa com seu ajuda en revisar este blog.
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